terça-feira, 15 de abril de 2008

O que você vai ser quando crescer?

Faltavam 40 minutos para a meia noite e o casal de idosos já estava à caminho da casa do terceiro filho. Ainda tinham que comparecer na casa de mais um. Na verdade dois, mas o primogênito não convidou os pais para o réveillon .


O rádio no carro contava como ia a festa na Avenida Paulista e os velhinhos começaram a rir juntos. Lembraram-se da vez que toda a família, resolveu encarar a aventura. E que aventura!


O caçula se perdeu na multidão. As gêmeas brigavam pelo direito de estourar a champagne, enquanto a tia passava mal por causa do calor e o segundo filho paquerava umas caipiras que encontrou no meio daquele povo todo. O primogênito nem foi na festa . No auge da adolescência, terminou a discussão com o clássico “Ninguém me entende !” e passou o ano novo em casa.


Tudo dentro do normal. Com tanto trabalho era difícil passar tempo junto. A família se habituou ao esquema cada um por si e o pai por todos. Certamente se referindo ao dinheiro que o pai adquirira trabalhando... Até de mais na opinião das crianças.


Mais tarde descobriram que o caçula estava vendendo doces e ainda caçava latinhas de refrigerante para trocar no ferro velho. “O tio Alfredo disse que isso é capitalismo, o que esse menino faz. Num brinca de outra coisa senão mercadinho, cambista. Só brinca de passa anel se o anel for de ouro.” Comentou o pai orgulhoso e um pouco preocupado.


Naquele dia teve de tudo, menos champagne. As meninas brigaram, brigaram e no fim derrubaram a champagne na cabeça de um bêbado que tentou abordá-las.


A paquera do menino terminou com um bom puxão de orelha, daqueles que ardem até na alma. – Menino sem vergonha. Nem saiu direito das fralda já tá achando que é gente? Rapa pra casa moleque safado.


Depois de recuperada a tia sentiu falta de gente da família. - Onde está o Henrique?- perguntou surpresa. – Ele gostava tanto desta bagunça de festa quando pequeno...-. A mãe respondeu sem se incomodar muito– É né, tia Rute..?! Ele anda sumido, mas agente nem se preocupa. Nunca precisou de ninguém pra nada... - feito o comentário, a mulher descarregou a consciência o voltou a apreciar a festa.


- Tá tudo diferente mas tá tudo igual né, Carlos?!- disse a senhora saindo das memórias e filosofando um pouco, coisa que todo mundo faz depois de cinqüenta anos, cinco filhos e quatro ceias de réveillon...


Por mais atordoada que a noite tivesse sido, a velhinha começou a refletir profundamente no fim que levou a sua prole. Estava acostumada à personalidade deles, mas ao destino que tomaram era difícil de se acostumar.


O caçula se perdeu na multidão dos investimentos e do dinheiro. Apostou,trocou,vendeu, perdeu. Perdeu tudo o que tinha. Entrou em depressão. Por essa o pai não esperava. Agora devia se preocupar de verdade.


As gêmeas pararam de brigar. E pararam de ser gêmeas também. Decidiram ser diferentes. Cansaram de dividir roupa, festa de aniversário, brinquedo, atenção, elogio, carinho, méritos. Uma delas comemora o aniversário três dias depois do nascimento. O negócio ficou trágico quando cansaram de dividir o mesmo recinto.


O segundo filho resolveu usar a lábia em outros empreendimentos. Seguiu caminho diferente que o do irmão mais novo. Bem sucedido, casado, pai de uma menina. Aliás, muito bem sucedido, mal casado e pai da.... Como é mesmo o nome dela? , indagou o pai na durante a ceia em particular – Deixa isso quieto, pai! Minha relação com ela é só bancária – bradou o infeliz homem de negócios.


-O quê tínhamos na cabeça de adotar quatro crianças, Carlos? E hoje elas nem se falam mais.No final nosso maior orgulho é Henrique, que não é primogênito na verdade.


As memórias agora foram outras. Primeiro o menino pedindo um irmãozinho, depois obrigando o pai a levar a família para a avenida paulista mesmo que não houvesse lugar para ele no carro. Na época o pai não entendia o que ele queria dizer com “eu já tive meus caprichos...”. Lembrou-se por fim de todas as vezes que o menino substituiu o pai enquanto esse trabalhava pelo sustento.


Já passara da meia noite e no rádio, “Use Filtro Solar” parecia decifrar o primogênito: Dedique-se a conhecer seus pais. É impossível prever quando eles terão ido embora, de vez. Seja legal com seus irmãos. Eles são a melhor ponte com o seu passado e provavelmente quem vai sempre te apoiar no futuro...

Texto por: Carolina Nogueira

Apoio e colaboração: Ralf Reimann

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Piada sem Graça

"Assisti a algumas imagens do velório do Bussunda, quando os colegas do Casseta & Planeta deram seus depoimentos.

Parecia que a qualquer instante iria estourar uma piada.
Estava tudo sério demais, faltava a esculhambação, a zombaria, a desestruturação da cena.

Mas nada acontecia ali de risível, era só dor e perplexidade, que é mesmo o que a morte causa em todos os que ficam.

A verdade é que não havia nada a acrescentar no roteiro: a morte, por si só, é uma piada pronta. Morrer é ridículo.

Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da
tarde morre. Como assim? E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente?

Não sei de onde tiraram esta idéia: morrer.
A troco? Você passou mais de 10 anos da sua vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas que não serviriam pra nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente. Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego, mas não desistiu.
Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de dúvidas quanto à profissão escolhida, mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente.

De uma hora pra outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, numa artéria entupida, num disparo feito por um delinqüente que gostou do seu tênis.

Qual é? Morrer é um cliche.

Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida. Você deixou em
casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, e penduradas também algumas contas. Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira.

Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas
cuido eu.

Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer. Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e
morre num sábado de manhã. Se faz check-up regulares e não tem vícios, morre do mesmo jeito.
Isso é para ser levado a sério?

Tendo mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser bem-vindo.
Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas. Ok, hora de descansar em paz. Mas antes de viver tudo, antes de viver até a rapa? Não se faz.

Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas.

Só que esta não tem graça. "

Copiei do blog da carol